Aula inaugural de Gastronomia debate a produção de Destilados

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No ranking das bebidas destiladas, cachaça é a terceira mais consumida, produção movimenta mais de R$ 7 bilhões por ano no Brasi
Por Márcio Aguiar

 

Vai um dedinho aí? Se o francês tem o champagne, o mexicano a tequila, o escocês o ‘Scotch Whisky’ uísque escocês, o americano os whiskeys tipo Bourbon e Tennessee, o russo a vodca, o inglês o gin, a cachaça é a bebida que representa a cultura e a história do Brasil. Reconhecida como produto exclusivo e genuinamente brasileiro, a cachaça foi uma das bebidas destiladas apresentadas pelo gastrônomo Claudio Tibério Gil, durante a aula inaugural do curso de Gastronomia da Faculdade Max Planck, realizada na terça-feira (31), às 19h, no laboratório do curso, com o tema “Destilados”.

Para o coordenador do curso de Gastronomia, professor Caio Nunes, o tema abordado pelo palestrante é de extrema importância para a disciplina. “Tendo em vista que um bom profissional da área tem que ser capaz de distinguir as bebidas, para assim fazer o uso das mesmas nas produções alimentícias ou até mesmo nas harmonizações. Utilizando-se da história, geografia, cultura dos países, que têm origem estas bebidas destiladas. E nesta aula muitos alunos puderam conhecer e até mesmo provar várias dessas delicias”, comentou.

 

Cachaça

Pinga, Caninha, Camarada, como é conhecida no Norte, ou Branquinha. São incontáveis os sinônimos que a cachaça recebe pelas cinco regiões do Brasil. Entre os nomes curiosos, há inúmeras explicações. "Pinga, por exemplo, faz referência ao processo artesanal, no qual a cachaça pinga do alambique. Dizem que quanto mais devagar pingar, melhor será a qualidade da cachaça", explicou Gil.

Conforme o especialista em destilados, a “aguardente remete a uma lenda em que a cachaça, que evaporaria e condensaria no teto dos engenhos, atingia as costas dos escravos feridos por chibatadas, causando ardor. São contos populares, sem vínculos ou comprovações históricas, provavelmente lorotas, mas não deixam de ser interessantes”, contou.

De acordo com Instituto Brasileiro da Cachaça (Ibrac), o Brasil produz mais de 800 milhões de litros de cachaça por ano, 30% sai de pequenos alambiques. O mercado nacional formado por mais de 40 mil produtores tem capacidade de produção de um bilhão de litros, mas produz cerca de 800 milhões de litros por ano. Existem mais de quatro mil marcas nacionais que movimentam cerca de R$ 7 bilhões anualmente. No entanto, exporta apenas 2% de sua produção anual.

De acordo com o palestrante, a técnica de misturar diferentes tipos à cachaça que passam por madeiras é comum. “A prática é muita usada nos outros destilados e ganha ainda mais potencial na cachaça devido à diversidade de madeiras usadas para envelhecer o destilado de cana”, disse.

Segundo o gastrônomo, o título de “Terra da Cachaça” foi legitimado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardoso em 2001, que determina que o uso das expressões “cachaça”, “Brasil” e “cachaça do Brasil” são restritos aos produtores estabelecidos no País.

 

Destilados

Além da cachaça, o conferente apresentou vários tipos de bebidas destiladas, como: a cachaça Spirit, que leva na destilação a torra do café, o licor Cremono, que é a mistura da cachaça Spirit com creme de café, a Grappa (destilado italiano), a Graspa – outro produto de origem brasileira –, a Bagaceira, o Gin, o licor Curaçau e o Absinto.

A aguardente Spirit Café, tem aroma e sabor de café com um fino toque de aguardente produzida na fazenda. Já o Cremono, com o mesmo toque do paladar suave e sabor da Spirit Café, mas com um corpo marcante seguindo os melhores licores.

 

Grappa, Graspa e Bagaceira

O gastrônomo que é professor do SENAC também exibiu a grappa, uma bebida alcoólica de origem italiana que é feita por destilação de resíduos de bagaço de uva, principalmente as cascas, mas também os engaços e sementes, considerados um subproduto do processo de vinificação. “O sabor de grappa, como a do vinho depende do tipo e qualidade da uva utilizada, bem como as especificidades do processo de destilação”, comentou.

O especialista esclareceu que a graspa, destilado proveniente do bagaço da uva, é um produto amplamente difundido em diversas regiões vitivinícolas da Serra Gaúcha, trata-se de um produto brasileiro que está intimamente ligada aos hábitos de consumo da população rural daquela região.

Ele também explicou que a Bagaceira, uma aguardente de vinho de origem portuguesa, ‘prima da cachaça’ tem teor alcoólico entre 35% a 54% em volume, “obtida a partir de destilados alcoólicos simples de bagaço de uva, com ou sem borras de vinhos, podendo ser retificada parcial ou seletivamente”.

 

Blue Curaçao

Sobre o licor Curaçau, o docente disse que se trata de uma bebida feita de laranjas cultivadas na ilha de Curaçao no Caribe. “É um licor azul doce, destilado e com sabor da casca seca de laranja amarga. Ele também pode conter destilados de limões e Curaçao frutas, açúcar e vinho”, contou. Segundo ele, é muito utilizado em coquetéis pela sua cor azul, o que permitem deliciosas e coloridas misturas, e tem graduação alcoólica de 39% vol. Também existem várias marcas no mercado, sendo que o ‘liqueur originaire’, licor original é fabricado na ilha pela Destilaria Senior & Co, desde 1896, e leva o nome Licor Curaçao.

 

Genever, gin holandês

O gin é uma bebida destilada à base de cereais que teve origem nos Países Baixos, no século XVII, mas adquiriu sua forma atual na Inglaterra. Por isso, é considerada bebida símbolo da Inglaterra.

No entanto, a Bols, a mais antiga destilaria do mundo fundada em 1575, na cidade de Amsterdã na Holanda, quando a família Bols, de origem belga, fundou a Amsterdamsche Likeurstokerij ‘t Lootsje, iniciou em 1664, a fabricação do Genever, uma espécie de gin holandês que se tornou bastante popular entre os consumidores locais, dando origem ao Gin. Foi neste mesmo período que a destilaria criou o primeiro licor de anis do mundo, o qual batizou inicialmente de Kummel (cominho, em alemão), licor muito confundido com o Licor Curaçao, devido à cor azul.

Como já foi dito, a Genever deu origem ao famoso Gin. No entanto, devido às suas características a Genever merece uma análise mais profunda. A Genever pode também ser rotulada de "Hollands" ou "Schiedam" (nome da cidade onde predomina a sua produção).

 

Gin

O Gin é uma das mais famosas bebidas do mundo. A sua aparição é mais recente em relação às outras aguardentes. Foi no século XVII que o Dr. Franciscus de La Bõe, também conhecido por Dr. Sylvius, apareceu com uma receita de Gin. Na altura chamava-se Geniévere e era utilizado apenas como um produto medicinal barato e de ótima qualidade diurética, devido à utilização do Juniper Berry (zimbro). Da combinação da aguardente obtida com a adição do zimbro, depressa foi considerado pelos holandeses como um tônico purificante para conservar a boa saúde.

Simultaneamente o nome foi adotado pelos holandeses como Genever, nome que utilizam ainda, que é apenas a palavra holandesa que traduz Juniper.

No entanto, no reinado do rei britânico Guilherme III, a Genever foi introduzida na Inglaterra. Inicialmente, foi apenas chamada Hollands e foram as tropas britânicas que começaram a chamar Gin à Genever, como abreviatura. Tudo isto se passou em pleno século XVII.

No século XVIII, no reinado da rainha Ana, os produtores britânicos de gin tiveram uma ajuda preciosa: maiores taxas nas bebidas importadas e alívio sobre as bebidas britânicas. Esta medida serviu de incentivo e foi a partir dessa altura que os ingleses, já rendidos às qualidades do gin o adotaram como bebida nacional.

 

Absinto e a Fada Verde

Finalmente, o Absinto. A bebida destilada feita da losna, funcho e outras ervas que também podiam entrar na composição foi criada e utilizada primeiramente como remédio pelo Dr. Pierre Ordinaire, um médico francês que morava em Couvet na Suiça por volta de 1972. Por vezes, é incorretamente classificado como licor, quando na verdade é uma bebida destilada. “O absinto provoca alucinações?”, perguntou um aluno.

A resposta segundo o gastrônomo é não. Conforme o conferencista, o absinto é diferente de outras bebidas por dois motivos: a concentração de álcool, que chega até 89%, contra 40% do uísque, é uma substância chamada tujona, oriunda da erva que dá nome à bebida – também conhecida por losna. “A tujona é perigosa porque bloqueia alguns neurotransmissores, mas o absinto não tem quantidade suficiente dela para causar alucinações”, explicou. No Brasil, a bebida teve de adaptar-se à lei brasileira, com teor alcoólico máximo de 54°GL de acordo com a norma do Art. 12, inciso II do Decreto 6.871/2.009. “O Absinthe Hapsburg, que é o absinto original tem graduação alcoólica de 89,9% e não pode ser vendido no país”, disse. “Ainda segundo o palestrante, a planta que é utilizada na produção do absinto é a Artemisia Absinthium, ou losna”, esclareceu o empresário.

 

Fada Verde

Pra quem acha que esse nome é apenas um apelido dado ao absinto no passado está muito enganado. A “Fada Verde” representa um conceito de inspiração poética e iluminação artística, um estado de espírito livre e de novas ideias. E essa liberdade de expressão era totalmente inimaginável nessa época. Para os bebedores ruins, aqueles que preferem quantidade à qualidade, o absinto é só uma bebida verde com forte teor alcoólico. Para os grandes artistas da Belle Époque em Paris era uma forma de sair dos conceitos morais e sociais impostos pelo governo na época e atingir a inovação artística.

 

Degustação

Já dizia o poeta Vinícius de Moraes: "O Whisky é o melhor amigo do homem. É o cachorro engarrafado”. Após a palestra, os alunos realizaram a degustação do uísque Jack Daniel’s, um Tennessee Whiskey. Envelhecido em barris de carvalho, aliado ao clima muito especial do Tennessee, o que lhe confere um sabor suave e marcante – permanecendo fiel a esta receita por quase 150 anos de história – os alunos de Gastronomia puderam desfrutar do mesmo ‘whiskey’ que ganhou sete medalhas de ouro internacionais, quando em 1904 foi homenageado como sendo o melhor uísque do mundo. Jack Daniels é o uísque mais vendido no mundo em faturamento e o 2º em volume, estando entre as 10 marcas de destilados que mais crescem no mundo.

Conforme o expert em bebidas, para atender o mercado brasileiro a destilaria da família Jack Daniel’s teve que lançar um whiskey com 40% de graduação alcoólica, diferente do comercializado no EUA, que tem graduação de 43% vol.

 

Whisky ou Whiskey? Tecnicamente Whisky e Whiskey são a mesma coisa. Whiskey é uma abreviação para o significado verdadeiro dessas duas palavras em gaélico “água da vida”. Essa grafia é mais comum na Irlanda e nos EUA. É possível que os americanos tivessem herdado essa forma de escrita dos imigrantes irlandeses no século XIX. Diferença não há, porém as pessoas não irão gostar muito que você mude as palavras. Então whisky na Escócia e whiskey na Irlanda, EUA e Canadá, não se esqueça! No Brasil, uísque mesmo.

 

Jack Daniel’s não é Bourbon, mas já foi!

Você, fissurado por história de marcas e bebidas deve ter achado esse tópico desperdício de tempo não é? Pois bem, e se eu disser para vocês que Jack Daniel’s já foi um Bourbon? Não estou louco não, é a mais pura verdade! No início do século passado, todo uísque americano era considerado Bourbon. Jack Daniel’s só viria a ser Tennessee Whiskey em 1941 pelo governo americano.

O processo de fabricação do Jack Daniel’s é bem parecido com o do Bourbon. Porém, o método de suavização com carvão – conhecido como “charcoal mellowing” – e de canos de cobre, acaba por diferenciá-lo. “Esta é a razão pela qual colocaram Jack Daniel’s em uma categoria especial: Tennessee Whiskey, diferente do Bourbon original, uísque produzido somente no estado do Kentucky”, ressaltou o especialista.

 

Bourbon

O Bourbon pode ser produzido em qualquer região dos Estados Unidos onde a destilação não é ilegal. Atualmente, a maioria das marcas é produzida no estado de Kentucky, onde há uma forte tradição do ‘Bourbon’, e estima-se que 95% do Bourbon consumido no mundo são destilados e envelhecidos no Kentucky.

A mistura típica de grãos do Bourbon é de 70% de milho, com o restante sendo de trigo ou centeio e malte de cevada. Esta mistura, chamada de “Mash”, passa por um processo de fermentação chamado “Sour Mash”, onde um mash de uma destilação anterior é adicionado para assegurar uma consistência de PH entre os lotes. O mash fermentado é então destilado. O destilado é armazenado em barris de carvalho para envelhecer, tempo em que bebida ganha a cor e o sabor da madeira. O Bourbon geralmente fica mais escuro à medida que envelhece.

A cidade de Bardstown em Kentucky é conhecida como "a capital mundial do Bourbon", onde anualmente é realizada a Kentucky Bourbon Festival, em setembro.

 

Sobre o palestrante

Possui graduação em Gastronomia pelo Centro Universitário Nossa Senhora do Patrocínio, com pós-graduação em Docência do Ensino Superior, pela Universidade Bandeirante de São Paulo.

 

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